Meu filho segura o xixi por muito tempo: isso é normal?

Quando uma criança segura o xixi por muito tempo, é natural que os pais fiquem em dúvida: isso é apenas um hábito comum ou um sinal de que algo não vai bem? Em muitos casos, o comportamento está ligado à fase de aprendizado do controle urinário, que amadurece gradualmente até cerca dos 5 anos².

No entanto, quando sintomas urinários — como escapes, urgência ou longos intervalos sem urinar — persistem após essa idade, eles podem indicar uma alteração chamada disfunção do trato urinário inferior (LUT – Lower Urinary Tract Dysfunction – Disfunção do trato urinário inferior). 

Estudos mostram que entre 17% e 22% das crianças apresentam algum grau dessa disfunção, o que aumenta o risco de refluxo vesicoureteral, infecções urinárias de repetição e, em casos mais avançados, até cicatrizes renais³.

Neste conteúdo, você vai entender quando o hábito de segurar o xixi é considerado normal, quais sinais exigem atenção e como o acompanhamento com um urologista pediátrico pode prevenir complicações e garantir o bom funcionamento da bexiga e dos rins.

Por que é importante observar os hábitos de urinar da criança?

Durante a infância, é comum que as crianças se distraiam e adiem a ida ao banheiro. No entanto, segurar o xixi com frequência pode sobrecarregar a bexiga e alterar seu funcionamento natural.

Na urologia pediátrica, esse hábito pode estar relacionado a alterações no funcionamento da bexiga — situações em que ela não enche ou esvazia como deveria. Com o tempo, isso pode aumentar o risco de infecções urinárias, refluxo da urina em direção aos rins (refluxo vesicoureteral) e até afetar o funcionamento renal

Entender o jeito como a criança urina e criar uma rotina saudável são atitudes simples, mas muito eficazes para manter o bom funcionamento da bexiga e das vias urinárias.

O que é o hábito de “segurar o xixi”?

Chamamos de hábito de segurar o xixi quando a criança evita urinar mesmo com a bexiga cheia. Isso pode acontecer por vergonha, distração, medo de sentir dor, dificuldade de acesso ao banheiro ou por não ter tempo suficiente na escola.

Nos primeiros anos, entre 2 e 5 anos de idade, esse comportamento é comum, pois o corpo ainda está aprendendo a reconhecer os sinais da bexiga. Mas, se o hábito continua depois dessa fase, pode indicar que a bexiga não está funcionando como deveria — principalmente se houver escapes, urgência para urinar ou infecções urinárias repetidas.

Quantas vezes uma criança deve urinar por dia?

A frequência com que a criança urina varia conforme a idade, a quantidade de líquidos que ela bebe e o ritmo natural de cada organismo. Mais do que o tamanho da bexiga, o que realmente faz diferença é o quanto ela ingere e elimina ao longo do dia.

Pesquisas mostram resultados um pouco diferentes entre si, mas, em geral:

  • Crianças de 7 a 15 anos urinam, em média, de 3 a 8 vezes por dia;
  • Em levantamentos com idades de 3 a 12 anos, a média fica entre 5 e 6 vezes ao dia;
  • Considera-se frequência urinária reduzida quando a criança urina 3 vezes ao dia ou menos;
  • Já urinar 8 vezes ou mais pode indicar aumento da frequência urinária, especialmente se houver urgência ou escapes¹.

Esses números servem apenas como referência. A melhor forma de entender o padrão da criança é anotar os horários e as quantidades de urina por alguns dias — o chamado diário miccional. Esse registro ajuda o urologista pediátrico a avaliar se o ritmo está dentro do esperado e se há sinais de alteração no funcionamento da bexiga.

Dica prática: o ideal é que a criança urine, em média, a cada 2 a 3 horas durante o dia e nunca passe mais de 6 horas sem ir ao banheiro. Se isso acontece com frequência, é hora de conversar com o pediatra ou o urologista pediátrico.

Leia também: Disfunção miccional em crianças: sintomas e tratamentos

Por que algumas crianças seguram o xixi?

1. Comportamento e rotina

Algumas crianças evitam ir ao banheiro para não interromper uma brincadeira ou porque sentem vergonha de pedir para sair da sala de aula.

Esse tipo de retenção é comportamental e costuma melhorar com pequenas mudanças na rotina, como estabelecer horários para ir ao banheiro e incentivar pausas durante as atividades.

2. Medo ou dor

Após uma infecção urinária, é comum que a criança associe o ato de urinar à dor e passe a segurar o xixi por medo. Com acompanhamento médico e orientações adequadas, esse ciclo de medo é quebrado, e a criança volta a urinar com segurança e sem desconforto.

3. Constipação intestinal

A prisão de ventre é uma das principais causas de problemas urinários na infância. Quando o intestino está cheio, ele pode pressionar a bexiga e dificultar seu esvaziamento completo. Por isso, manter o intestino funcionando bem é essencial para prevenir alterações urinárias.

4. Disfunção da bexiga

Em algumas situações, há uma falta de coordenação entre os músculos do assoalho pélvico e a bexiga. Isso faz com que a urina não seja eliminada por completo, favorecendo a retenção e o risco de infecção. Esse quadro é chamado de disfunção da bexiga e precisa ser acompanhado por um urologista pediátrico para evitar complicações.

5. Bexiga hipoativa

A bexiga hipoativa é caracterizada por um número reduzido de micções durante o dia — geralmente três vezes ou menos — e pela presença de um volume maior de urina que permanece na bexiga após urinar.

Nos exames específicos, observa-se um funcionamento mais lento do músculo responsável por esvaziar a bexiga, o músculo detrusor. Esse é um dos poucos casos em que o exame urodinâmico costuma ser indicado já na avaliação inicial, pois ajuda a confirmar o diagnóstico e a definir o tratamento mais adequado.

Sinais de alerta que exigem atenção

  • Urina turva, com odor forte ou dor ao urinar;
  • Intervalos muito longos entre as idas ao banheiro;
  • Escapes de urina durante o dia;
  • Urgência para urinar (a criança “dança” ou cruza as pernas para tentar segurar);
  • Infecções urinárias repetidas;
  • Prisão de ventre frequente.

Esses sinais indicam que a bexiga pode estar sendo sobrecarregada e precisa de avaliação médica. O acompanhamento com um urologista pediátrico é importante para identificar a causa e orientar o tratamento adequado.

Como o uropediatra avalia o problema?

O primeiro passo é uma entrevista detalhada com os pais, registrando horários, frequência e comportamento urinário. O urologista pediátrico pode solicitar:

  • Urina tipo I e urocultura (para excluir infecção)
  • Ultrassonografia do trato urinário, avaliando o enchimento e o esvaziamento
  • Urofluxometria, que mostra o padrão de jato urinário
  • Exame urodinâmico, quando há suspeita de disfunção mais complexa

Saiba mais: 7 exames essenciais na urologia pediátrica

Como o tratamento ajuda a reeducar a bexiga da criança?

A grande maioria dos casos melhora sem cirurgia. O foco é ensinar a bexiga a funcionar no ritmo certo, o que chamamos de uroterapia comportamental. Isso inclui:

  • Urinar a cada 2–3 horas, mesmo sem vontade
  • Evitar reter urina na escola ou durante brincadeiras
  • Sentar corretamente no vaso, com apoio para os pés e tronco relaxado
  • Manter boa ingestão de água
  • Corrigir a constipação intestinal com alimentação rica em fibras e rotina regular

O acompanhamento frequente com o urologista pediátrico é essencial para garantir a adesão e monitorar a evolução.

Fisioterapia pélvica infantil: quando e por que indicar

A fisioterapia pélvica infantil é um tratamento seguro, divertido e muito eficaz em casos de alterações no funcionamento da bexiga.

Ela é indicada quando há dificuldade para esvaziar completamente a urina, contração inadequada dos músculos da região pélvica, constipação associada ou infecções urinárias repetidas .

Durante as sessões, o fisioterapeuta ensina a criança a reconhecer e relaxar os músculos do assoalho pélvico, muitas vezes com o auxílio de jogos e atividades interativas por meio do biofeedback — um recurso que mostra, em tempo real, como o corpo está reagindo.

Essa abordagem melhora o controle urinário, reduz as infecções e incentiva a participação ativa dos pais no processo.

Aspectos emocionais e comportamentais: cuidando da criança por completo

A saúde urinária e o equilíbrio emocional da criança estão profundamente ligados. Situações de ansiedade, dificuldade de atenção, excesso de estímulos ou mudanças na rotina podem influenciar o funcionamento da bexiga. Nessas fases, é comum que apareçam sintomas como urgência, escapes ou o hábito de segurar o xixi, mesmo sem alterações físicas.

Da mesma forma, o tratamento das alterações urinárias — que inclui fisioterapia pélvica, orientação médica e treinamento para urinar de forma adequada — costuma trazer reflexos positivos sobre o sono, o humor e a autoconfiança.

Pesquisas mostram que entre 20% e 40% das crianças com enurese noturna e 30% a 40% daquelas com perdas urinárias diurnas apresentam diferenças de atenção, sensibilidade emocional ou regulação do comportamento, dentro do espectro da neurodiversidade.

Essas variações podem se manifestar como hiperatividade, impulsividade, maior sensibilidade emocional ou dificuldade de concentração — aspectos que devem ser acolhidos com empatia, e nunca com punição.

Entender o xixi como um reflexo do bem-estar físico e emocional da criança é um passo essencial para promover um cuidado verdadeiramente integral.

Dicas para os pais: como observar os hábitos urinários

1. Observe o comportamento diário:
Note se a criança “segura demais”, corre de última hora para o banheiro ou tem escapes leves.

2. Estimule a hidratação:
A urina deve ser clara e sem odor forte; se estiver escura ou concentrada, pode indicar baixa ingestão de líquidos.

3. Crie uma rotina de idas ao banheiro:

Leve a criança a urinar logo ao acordar, antes e após as refeições, antes de dormir e a cada 2–3 horas durante o dia.

4. Registre observações:
Manter um diário miccional por alguns dias ajuda o médico a compreender os padrões urinários.

5. Oriente a escola

Permita que a criança vá ao banheiro sempre que precisar, sem vergonha ou restrição.

Quando buscar ajuda médica?

Procure um urologista pediátrico se:

  • O hábito de segurar o xixi é frequente;
  • Há infecções urinárias de repetição;
  • A criança apresenta escapes, urgência ou dor;
  • O ultrassom mostra resíduo de urina após a micção.

O tratamento precoce evita complicações e melhora o bem-estar da criança e da família.

Palavra da especialista

“Observar o xixi da criança é observar a saúde. Muitas vezes, o que parece apenas um costume inocente revela uma bexiga que está pedindo ajuda. Com pequenas mudanças, orientações adequadas e, quando necessário, fisioterapia pélvica, conseguimos reverter esse quadro de forma leve e tranquila. Urinar bem é sinal de bem-estar — e meu papel é ajudar cada criança a alcançar isso.”

Dra. Marilyse Fernandes, urologista pediátrica

Se você percebe que seu filho tem o hábito de segurar o xixi ou apresenta escapes, urgência ou infecções recorrentes, é importante conversar com um urologista pediátrico. A avaliação precoce ajuda a entender a causa do problema, prevenir complicações e garantir o bom funcionamento da bexiga e dos rins.

Agende sua consulta

Se o seu filho/a tem o hábito de segurar o xixi, apresenta escapes ou infecções recorrentes, agende uma consulta. Um acompanhamento especializado pode fazer toda a diferença para o desenvolvimento urinário e a saúde dos rins.

Referências

¹: Austin P et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: Update report from the standardization committee of the International Children’s Continence Society. Neurourol Urodyn. 2016 doi: 10.1002/nau.22751.

²: Sureshkumar P et al. A population-based study of 2,856 school-age children with urinary incontinence. J Urol. (2009) doi: 10.1016/j.juro.2008.10.044

³: Özen MA et al. The overlooked association between lower urinary tract dysfunction and psychiatric disorders: a short screening test for clinical practice. J Pediatr Urol. 2019  doi: 10.1016/j.jpurol.2019.03.025.

⁴: https://uropediatriasp.com.br/refluxo-vesicoureteral-rvu/

⁵: Sampaio C et al. Constipation and lower urinary tract dysfunction in children and adolescents: a population-based study. Front Pediatr. (2016). doi: 10.3389/fped.2016.00101.

⁶: Fuentes M et al. Diagnosis and Management of Bladder Dysfunction in Neurologically Normal Children. Front. Pediatr 2019.  doi: 10.3389/fped.2019.00298.

⁷: Chase J et al. International children’s continence society. the management of dysfunctional voiding in children: a report from the standardisation committee of the international children’s continence society. J Urol. 2010.  doi: 10.1016/j.juro.2009.12.059

⁸: Siracusa R et al. Pelvic floor physiotherapy in children with LUTD. The POGP Journal, 2021

⁹: on Gontard A et al. Psychological and psychiatric issues in urinary and fecal incontinence. J Urol 2011;185:1432.

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    Publicado por: Dra. Marilyse Fernandes
    Cirurgia Pediátrica (CRM 92676 | RQE 21334) A Dra Marilyse Fernandes é médica especialista em cirurgia pediátrica e robótica, dedicada à urologia infantil com experiência em hidronefrose congênita, malformações genitais e disfunções miccionais. Formada pela Universidade Estadual de Londrina, Doutora em Ciências da Reabilitação pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós Graduada em Cirurgia Robótica pelo Hospital Israelita Albert Einstein.

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