Hidronefrose é o inchaço ou dilatação da região do rim (Fig 1) que armazena a urina, chamada de pelve renal. O termo hidronefrose significa acúmulo ou retenção de urina nos rins e pode acometer um rim – unilateral – ou os dois rins – bilateral.
A hidronefrose ou dilatação do trato urinário é identificada em 1 a 2% das gestações durante a ultrassonografia de rotina, realizada no segundo trimestre (Fig 2). Isso significa que é uma anormalidade muito encontrada ao ultrassom gestacional. Em outras palavras, acontece para uma em cada cem gestações. Correspondendo portanto, a cerca de 50% de todas das alterações fetais detectadas durante o período da vida intra-uterina.
A maior parte das hidronefroses não causam problemas ao feto. Por tratar-se apenas de um problema funcional e transitório, em 50 a 70% dos casos não causa sintomas. Resulta de anormalidades passageiras da musculatura lisa da pelve renal e dos ureteres. Ou seja, terá resolução natural com o tempo e crescimento da criança.
No entanto, a hidronefrose pode significar a existência de uma anomalia congênita do rim ou do trato urinário, que dificulta ou impede a livre passagem da urina. Afinal comprometendo o potencial de desenvolvimento do rim fetal.
Em quase todos os casos de hidronefrose antenatal, o acompanhamento com ultrassom é tudo o que é necessário. Além disso, para realizar o tratamento podemos aguardar o nascimento do bebê.
Entretanto, nos bebês com dilatação severa de ambos os rins e com redução do volume do líquido amniótico, a intervenção pré-natal para aliviar a obstrução pode ser necessária. A avaliação para possível cirurgia fetal requer a participação de múltiplas especialidades, como a medicina fetal, urologia pediátrica, nefrologia pediátrica e neonatologia.
Produção da urina do bebê na gestação
Para compreender melhor a hidronefrose antenatal é útil sabermos como ocorre o funcionamento do trato urinário. Em termos gerais, os rins filtram o sangue. A urina elimina os resíduos do metabolismo produzidos pelo nosso corpo. Assim, a urina produzida pelo rim fica no início acumulada na pelve renal. Depois disso, a urina desce por um tubo chamado ureter e fica armazenada na bexiga. O nosso corpo portanto, elimina a urina da bexiga através da uretra.
Durante uma etapa da gravidez, a placenta faz a maior parte desse trabalho de limpeza para o bebê. A partir da décima sexta semana de gestação, a produção de urina pelo rim fetal passa a ser o principal responsável pelo volume do líquido amniótico.
Enquanto estiver dentro do útero, o funcionamento do rim do bebê visa garantir um volume adequado do líquido amniótico. Líquido que o envolve e é muito importante para o pleno desenvolvimento dos pulmões do feto. O líquido amniótico também cria um espaço para que o bebê possa se mover, além de funcionar como uma “almofada” protetiva.
Não deixe de realizar o acompanhamento do bebê após o nascimento! O achado de uma hidronefrose antenatal pode significar a presença de malformações do trato urinário como estenose da JUP, refluxo vesicoureteral,megaureter, rim multicístico displásico, ureterocele/ureter ectópico/duplicidade ureteral, VUP/atresia uretral . E outras causas menos frequentes como prune belly, estenose congênita do ureter, bexiga neurogênica e megalouretra.
Diagnóstico e Tratamento da Hidronefrose Antenatal
O tratamento para resolução da hidronefrose pode iniciar-se em diversos momentos da vida do bebê. Lembrando que em 50 a 70% dos casos, a hidronefrose desaparecerá com o crescimento da criança, o que leva somente ao acompanhamento, não necessitando de nenhuma intervenção, medicamentosa ou cirúrgica.
Diagnóstico da hidronefrose antenatal durante a gestação
A detecção de qualquer anomalia congênita do rim e do trato urinário depende da idade gestacional em que a ultrassonografia materna foi realizada. O rim fetal poderá ser visualizado pelo ultrassom a partir da 10ª - 12ª semanas de gestação, entretanto mesmo diante de anormalidades significativas do aparelho urinário, pode ser difícil detectar o problema antes de ter ocorrido a diferenciação do córtex e da medular renal, que ocorre entre a 20ª - 25ª semanas de gestação.
A ultrassonografia permite identificar se um ou dois rins estão afetados, o grau de dilatação da pelve e dos cálices renais, a espessura e aparência do parênquima renal, além das características da bexiga e ureteres. O volume do líquido amniótico adequado é o fator mais importante a ser considerado, sendo em última instância, um indicador de bem-estar do bebê. Outro achado que causa muita preocupação é quando o aumento do tamanho e da espessura da parede da bexiga ocorre associado à manutenção da bexiga cheia de urina, dados que sugerem alguma dificuldade para o seu completo esvaziamento.
No ultrassom, a medida do diâmetro anteroposterior da pelve renal - DAP, realizada no plano transversal renal, fornece um indicador da gravidade da hidronefrose. Sendo assim, empregamos como critério de hidronefrose a medida da DAP da pelve renal maior que 4mm, até a 27ª semana de gestação ou maior que 7mm depois da 28ª semana até o nascimento. Recomendamos a repetição do ultrassom, a partir de 48 horas do nascimento, sendo considerado dentro da normalidade quando a DAP da pelve renal for menor que 10mm.
Embora a nefrogênese esteja completa na 36ª semana de gestação não é totalmente conhecido qual será o impacto causado pela compressão contínua da dilatação da pelve e cálices sobre o parênquima renal, comprometendo o potencial final de néfrons saudáveis.
Durante a gestação, bebês com hidronefrose severa bilateral podem ter redução do volume de líquido amniótico, comprometendo o desenvolvimento pulmonar e indicando perda da função renal. Nesses casos, a cirurgia intrauterina (Fig 5) poderá ser minuciosamente indicada por médico especialista em medicina fetal, ainda durante a gravidez!
Nesta situação, os procedimentos possíveis são a derivação vesico-amniótica e a cistoscopia fetal, geralmente indicadas para tratamento de válvula de uretra posterior, sendo realizados com objetivo de facilitar a passagem da urina, aliviar a pressão no trato urinário e normalizar o volume de líquido amniótico.
A cirurgia é feita de forma endoscópica. Os instrumentos são inseridos pela barriga da mãe, atravessam a parede do útero e chegam até o bebê. Há riscos de trabalho de parto prematuro, infecção, ferimentos no bebê ou mãe, assim como possível insucesso terapêutico, o que faz com que este procedimento seja reservado apenas para os casos mais graves.
Especialistas que você terá que ver durante a gravidez
Em quase todos os casos de hidronefrose antenatal, o monitoramento por ultrassom, repetido ao longo da gestação, é tudo o que é necessário. Na maioria dos casos, a gravidez não será afetada e o parto ocorrerá apenas quando o bebê estiver pronto para nascer.
Diante da suspeita ou diagnóstico de hidronefrose, você pode ser encaminhada para uma avaliação mais abrangente por um ou mais médicos, com experiência no diagnóstico e tratamento de hidronefrose fetal, incluindo especialistas em ultrassonografia morfológica fetal, medicina fetal, geneticista e em urologia pediátrica.
Eventualmente, outros exames além do ultrassom obstétrico, como ressonância magnética, ecocardiograma, amniocentese e análise cromossômica, podem confirmar o diagnóstico, avaliar a condição com uma visão mais detalhada da anatomia fetal, além de rastrear outras anormalidades associadas. Estes especialistas farão as recomendações de como será o acompanhamento durante a gravidez, análise do risco-benefício de cada proposta terapêutica, bem como quais serão os cuidados necessários para o seu bebê assim que ele nascer.
Avaliação após o nascimento
A ultrassonografia por si só não fornece uma imagem detalhada o suficiente da hidronefrose antenatal, e testes adicionais são frequentemente necessários para uma avaliação adequada e definição da causa do problema.
Esses testes incluem:
- Raio-x uretrocistografia miccional - UCGM - este exame requer que um fino cateter seja colocado na bexiga, para injetar uma solução de contraste iodado. Assim, fornece informações importantes sobre a anatomia do colo vesical e uretra, forma e capacidade da bexiga e dos ureteres. Permite diagnosticar o refluxo vesicoureteral - RVU - que é o retorno anormal da urina da bexiga para o ureter e rim. Também fornece informações adicionais sobre a uretra - estrutura tubular localizada abaixo da bexiga, por onde a urina é eliminada para fora do corpo -, avaliando se há algum bloqueio, como por exemplo o causado pela válvula de uretra posterior - VUP, que impede ou dificulta tal passagem.
- Cintilografia renal - É usado para demonstrar a função renal e a drenagem da urina pelos rins. Requer um acesso venoso e em algumas vezes uma sonda para manter a bexiga vazia durante o exame. A cintilografia pode demonstrar se existe redução da função renal, a velocidade de excreção de urina pelos rins, presença de lesão e/ou cicatriz renal. A cintilografia renal é mais precisa quando realizada depois que o bebê completar 45 dias de vida. Dois tipos de cintilografias renais são habitualmente realizadas:
- Cintilografia renal dinâmica - DTPA - com diurético, para avaliar obstrução do trato urinário.
- Cintilografia renal estática - DMSA - para avaliar cicatriz ou lesão do parênquima renal.
A decisão sobre a necessidade de realizar esses testes dependerá de vários fatores, incluindo a gravidade da hidronefrose durante a gestação e após o nascimento do bebê. Para saber mais, consulte um médico uropediatra para acompanhamento.
A hidronefrose é graduada por várias escalas. O grau da hidronefrose auxilia na tomada de decisão com relação ao momento de indicar o tratamento da hidronefrose, assim como, para informar o prognóstico sobre a função renal destes pacientes. Quanto maior o grau mais severa e grave é a dilatação do trato urinário (Figs. 2 e 4).
Os graus de hidronefrose mais severos estão associados a necessidade de acompanhamento próximo e monitoramento continuado pelo urologista pediátrico, para que se possa obter uma compreensão mais completa do problema que acomete a criança.
Sendo a hidronefrose leve e apenas em um lado, a ultrassonografia renal pode ser realizada no primeiro mês de vida e outros exames como o raio-X uretrocistografia miccional - UCGM - ou cintilografia renal podem não ser necessários.
Se a hidronefrose antenatal for acentuada e/ou acometer ambos os rins, geralmente a ultrassonografia renal é realizada dentro da primeira semana, mas após as primeiras 24-48 horas de vida. É normal que um recém-nascido fique desidratado e produza menos urina no primeiro dia de vida; portanto, se o ultrassom for realizado muito cedo, pode parecer erroneamente que a hidronefose desapareceu. Após o ultrassom pós-natal confirmar hidronefrose severa a UCGM deverá ser realizada.
Além disso, geralmente nesta situação, a cintilografia renal é realizada após a 6ª semana de vida, para complementar a avaliação. Certas alterações observadas na ultrassonografia podem justificar uma investigação mais rápida, como por exemplo, no caso de hidronefrose grave bilateral e ou dilatação da bexiga.
Precisa de algum medicamento para auxiliar no tratamento da hidronefrose?
A decisão de tratar os bebês com hidronefrose com antibióticos profiláticos é baseada em vários fatores, mas o principal deles é a gravidade da hidronefrose.
Usar antibióticos de forma profilática, significa utilizar doses mais baixas administradas apenas uma a duas vezes ao dia. O objetivo dos antibióticos, nesta situação, é prevenir a ocorrência de infecção do trato urinário febril, que pode surgir como resultado da hidronefrose. Algumas vezes, assim que os exames de investigação tenham sido concluídos, podemos suspender o uso destes medicamentos. Existem tipos de antibióticos muito específicos para o trato urinário e com poucos efeitos colaterais.
Para a maioria dos bebês nascidos com hidronefrose antenatal, sua condição se resolve com o tempo e eles não precisam de tratamento específico para a dilatação do trato urinário. O tempo de resolução depende da condição de base e da gravidade da hidronefrose, variando para cada criança.
Os casos mais acentuados de hidronefrose antenatal, por sua vez, podem resultar em infecção do trato urinário, cicatrizes ou danos renais permanentes. A detecção precoce pode prevenir tais complicações. Pacientes com hidronefrose acentuada são os mais propensos a necessitar de cirurgia para prevenir danos renais e infecções recorrentes.
O acompanhamento minucioso e contínuo desses bebês deve ser feito por um uropediatra. A boa notícia é que a grande maioria das crianças com hidronefrose cresce saudável e leva uma vida normal, mesmo que precise de cirurgia para corrigir uma anormalidade do trato urinário.
"O conteúdo destas informações foram revisados pela Dra Marilyse Fernandes. Destina-se apenas para fins educacionais e não deve substituir avaliação médica ou de qualquer outro profissional de saúde. Encorajamos a discussão de quaisquer dúvidas ou preocupações com o/a médico/a de sua preferência e confiança".